A fidelidade às marcas

   Sentia inveja dos sortudos que levavam Bolicao todos os dias para o lanche. Incrível como não me lembro do que comia (talvez por não ser muito adepta da modalidade), mas retive grande parte dos hábitos dos meus colegas, de tão rotineiros que eram - aposto que se jogássemos às adivinhas com isto, ficaríamos surpreendidos com a quantidade de marcas que associávamos a cada um. A nossa vida podia, de facto, ser completamente descrita por marcas: anos e anos em que a primeira coisa que ingeria era leite achocolatado Nesquik (que hoje detesto), depois a fase em que só pintava com lápis da Caran d'Ache e a fase em que era tão magra, que só me assentavam bem as calças da Salsa.
   Hoje, o tal exercício de classificar pessoas funciona com muito poucas. Estamos menos exigentes? Temos menos dinheiro? Ou temos menos mania?

Mercado de la Boqueria - Ramblas - Barcelona - Março 2010

   Anos 90. Tirando os filhos de pais menos metódicos ou preocupados com o assunto, todos os outros exibiam determinadas marcas, fosse por que motivo fosse. Confiança, preço, era o que havia no mini-mercado ao pé de casa... não sei. Sei que as minhas sapatilhas, regra geral, eram Adidas; sei que o café de cevada da avó era invariavelmente Mokambo; e sei que todos os meus amigos e as suas casas tinham um cheiro característico, graças aos champôs e detergentes que as mães recomendavam.
   Novo milénio, tudo na mesma. Raramente consumia produtos de marca branca (que não me inspiravam qualquer confiança) com excepção das bolachas, produto I-don't-care-a-gulodice-fala-mais-alto. Do que me lembro, quando fui para a faculdade comprava leite Mimosa Cálcio, água do Luso, cereais Nesquik, manteiga Mimosa, atum Bom Petisco, salsichas Nobre, arroz Cigala, óleo Fula, maionese Calvé e azeite Galo; bens alimentares "sem marca", zero.
   Com a gestão das compras a meu cargo e o budget mais reduzido, experimentei outras marcas (mais baratas) e estabeleci novas relações (muitas vezes de ódio). O predomínio da satisfação deu-se com a marca branca Pingo Doce, que hoje decora grande parte da despensa - enlatados, massas, arroz e água são, salvo excêntricas excepções (ou luta pela não destruição das marcas por parte das brancas), artigos comprados nesta cadeia de supermercados.
   Para bem da economia, não levaram a melhor em tudo: a maionese e os cereais mantêm-se; no leite, dependendo do que está mais barato, compro meio-gordo Mimosa ou Gresso (marca branca se for para pudins ou crepes); a manteiga também é a mesma, porque cada pacote dura quase um ano e não vou baixar a qualidade por 20 cêntimos de 6 em 6 meses.
   De resto, há muitas marcas que compro quase sempre, mas é este quase que destrói a minha fidelidade - não vou fazer bolonhesa para 30 com polpa de tomate da Compal, certo? Há, contudo, um terreno onde ainda sou bastante cautelosa: saúde e estética (lentes de contacto, líquidos e soros, tampões, vernizes para as unhas e produtos para o cabelo, têm a marca bem definida independentemente do preço).

    Descontos e ofertas motivam as escolhas e as relações com as marcas são cada vez mais efémeras. Ainda há por aí fiéis a alguma coisa? Ou sou só eu que ainda tenho um pé na tradição?

Comentários

  1. Bolicao por acaso nunca gostei, sempre achei aquilo extremamente enjoativo para deleite dos meus pais :b mas sim, no resto concordo em absoluto contigo. Em casa dos meus pais ainda se compra muita coisa da marca (embora já não tudo), mas cá em casa é tudo do 'santo' Pingo Doce. Excepção feita, tal como tu a produtos de higiene, a esses mantenho-me extremamente fiel :)

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  2. um pacote de manteiga dura-te um ano? estou mesmo impressionada, a mim dura-me um mês!
    é assim, eu em produtos alimentares passei para marcas brancas, senão nem dinheiro tinha para comer. às vezes tenho de sacrificar a qualidade, para ter dinheiro para uma lambarice ou outra.
    já essas cenas das lentes, vernizes e assim eu vou experimentando, às vezes corre bem, e passo a poupar muito, outras nem tanto, e prefiro manter-me fiel à marca. mas a palavra de ordem para mim é mesmo poupar..

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  3. Joana, acho que o leque de opções no que diz respeito à marca branca também se alargou e isso é bom, temos mais escolha. Há coisas às quais me mantenho fiel: manteiga, iogurtes de comer, cereais, pasta dos dentes, gel de banho. Quanto ao resto, tenho experimentado várias marcas brancas (Pingo, Continente, Mini) e muitas delas superam expectativas. Beijinhos

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  4. Tempos diferentes. Actualmente vivemos num mundo que contém 2 aspectos que podem ter provocado este fenómeno que falas: O mercado está cada vez mais saturado e as pessoas com cada vez menos dinheiro.
    As marcas deixaram de ter tanta referência e distinção, porque cada vez são mais. As pessoas deixaram de ter as tais marcas fiéis porque agora o que interessa é comprar barato.
    Foi o resultado a que se chegou com esta da política de consumismo abusiva: mais oferta do que procura.

    Beijinho Persoa ;)

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