Nice to meet you Cova da Moura

   Antes de visitar o "bairro de que tanto se fala" imaginava-o pouco interessante e atraente: idealizava apenas pessoas de pele escura, edifícios inacabados da cor do cimento, estradas de terra, palavras estranhas e muito lixo espalhado pelo chão. Se tinha medo? Não, tinha apenas desinteresse (normalmente experimento as coisas/sítios para perceber se tinha razão à priori, mas as já fracas expectativas aliadas aos relatos negativos dos media afastaram qualquer réstia de curiosidade) e, assim sendo, há um mês atrás estava longe de me projectar na mini-trip que hoje fizemos pela Cova da Moura ou "Kova M.", como abreviam (não, não é porque ainda usam "k" nas SMS, tem a ver com a forma como escrevem em Cabo Verde, país de onde provém a maioria dos residentes). 
   Com pessoas de várias zonas da África, portugueses, brasileiros e europeus de Leste, este é um bairro multi-cultural com cerca de 7000 pessoas (+ os muitos ilegais), imensas associações e projectos e uma percentagem enorme de jovens. Falam português e crioulo, gostam de rap, têm o Teatro dos Oprimidos e várias igrejas.  Restaurantes, cafés e cabeleireiros são os negócios mais comuns (certamente tráfico também, mas andámos demasiado ocupados para reparar).
   Como "filha do mundo" que sou, com o gosto pelas viagens e altamente apaixonada por pessoas, foi fácil ficar de "beiço caído" pelo bairro - bastou-me pisar o bairro para perceber a sua riqueza e o quão descabida era a minha ideia pré-formulada. Fomos subindo a rua e cumprimentando os moradores: o crush foi imediato e posso garantir que será assim com toda a gente que aprecie a novidade e a diferença.
   Tivemos a sorte de ir com uma Professora altamente especializada em todos os assuntos do bairro e fomos acompanhados por guias exemplares, que nos falaram das ocupações dos jovens e das lutas travadas pelos moradores pela melhoria das condições de vida. Há saneamento desde os anos 80, as ruas são alcatroadas, as casas não são barracas e as salas das associações, mesmo que velhas, estão remodeladas e bem equipadas (dentro do possível). Não é um luxo viver na KM, mas é um grande orgulho pertencer a uma comunidade tão forte, que se importa com as causas e onde predomina a entreajuda.
   Todas as pessoas com quem falei foram de uma educação e simpatia irrepreensíveis e quem se meteu connosco utilizou o tom de brincadeira. Outros lá estavam, nas suas vidas, como nós estávamos nas nossas. Se nos assaltariam em circunstâncias diferentes? Nunca saberemos, mas asseguro que não só não me senti em perigo em momento algum, como me senti mesmo confortável - não por ser um local com características familiares, mas porque o diferente me atrai e o diferente com qualidade, me seduz - fomos ao estúdio onde os rappers do bairro produzem o seu material, gostei de várias músicas e nem sou fã do género por aí além; os grafittis nas ruas, são sublimes (Odeith, conhecem?); a gastronomia, se for toda tão boa como a cachupa, por mim está mais que aprovada (e pelo americano também, portanto quase que faço aqui uma tese e digo que é coisa para agradar em todo o mundo, como a Coca-Cola).
   Enfim, sem darmos conta ficamos em plena harmonia com o espaço e a gente e parece que em vez de 10 minutos de autocarro, viajámos várias horas de avião até outro país. A mancha cinzenta que havia imaginado revelou-se uma miscelânea de cores que dá vida às casas, às fitas da festa de São João, à roupa estendida nas cordas, às histórias pintadas nos muros e às próprias pessoas (quem está e quem visita). Isto tudo tinha dado fotos excelentes se eu não tivesse deixado a máquina em casa (quis morrer quando cheguei à Faculdade e vi que me tinha esquecido).

Comentários

  1. se levasses a máquina tinhas mesmo sido assaltada eheheheh

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